quinta-feira, 7 de abril de 2016

Obras - Fatos reais

BASEADAS EM FATOS REAIS


 Na pior em Paris e Londres (1933) - Nota 4,3 Skoob


   No final do anos 20, decidido a tornar-se escritor, o jovem Eric Arthur Blair resolveu viver uma experiência pioneira e radical: submeter-se à pobreza extrema - e depois narrá-la. Em 1928, instalou-se em Paris com algumas economias e começou a dar aulas de inglês - mas em pouco tempo perdeu os alunos e foi roubado. Sem dinheiro, passou fome, penhorou as próprias roupas, trabalhou em restaurantes sórdidos e por fim partiu para a Inglaterra. Enquanto esperava por um emprego incerto, radicalizou ainda mais sua experiência convivendo intensamente com os mendigos de Londres, perambulando de albergue em albergue, atrás de dormida, comida e tabaco.
   É essa vivência miserável que Orwell relata com humor e indignação, distanciamento e participação. Recusado por várias editoras inglesas, o livro só foi publicado em 1933, trazendo, pela primeira vez, o pseudônimo que consagraria um dos maiores escritores do século XX. Com posfácio de Sérgio Augusto.
 
O Cami­nho para Wigan Pier (1937) - Nota 4,2 Skoob



"No sistema capitalista, para que a Inglaterra possa viver em relativo conforto, 100 milhões de indianos têm que viver à beira da inanição - um estado de coisas perverso, mas você consente com tudo isso cada vez que entra num táxi ou come morangos com creme."
 
  É dessa forma, unindo a pegada do inconformista com a mordacidade do literato, que George Orwell pinta as relações entre a metrópole imperial britânica e suas colônias na Ásia, na segunda parte de O caminho para Wigan Pier, publicado originalmente em 1937. É na primeira parte, porém, que ele dá conta, com seu costumeiro estilo límpido ("de vidraça", como ele dizia), direto e vigoroso, de sua visita às áreas de mineração de carvão em Lancashire e Yorkshire, no norte da ilha britânica. A pobreza e o sofrimento atroz dos mineiros são retratados ali com um grafismo brutal, desde as condições esquálidas de moradia ao medo das frequentes ondas de desemprego que assolavam a região, colocando em risco extremo a sobrevivência física dos trabalhadores e de suas famílias.
  Neste livro, vemos o futuro e celebrado autor de clássicos universais já em plena florescência de seu projeto literário e existencial, que o levou a abandonar os privilégios de sua classe, a execrar qualquer forma de imperialismo e a mergulhar de corpo e alma na vida dos trabalhadores pobres e dos excluídos sociais.



Lutando na Espanha (1938) - Nota 4,3

 


"Eu tinha chegado mais ou menos por acaso na única comunidade na Europa Ocidental em que a consciência política e a descrença no capitalismo eram mais normais que seus opostos... Em teoria havia perfeita igualdade, e mesmo a prática não estava distante disso. A divisão normal de classe da sociedade tinha desaparecido ao ponto em que é impensável para a atmosfera mesquinha da Inglaterra... Estávamos em uma comunidade onde a esperança era mais natural do que a apatia ou o cinismo, onde a palavra ‘camarada’ significava camaradagem e não, como em muitos países, uma forma de chamar a atenção de alguém. Respirávamos o ar da igualdade... Aquilo que atrai os homens comuns para o socialismo e os faz querer arriscar suas vidas por ele, a ‘mística’ do socialismo, é a ideia de igualdade; para a vasta maioria dos povos, ou socialismo significa uma sociedade sem classes ou ele não significa nada."

 
  George Orwell escreveu Lutando na Espanha baseando-se em experiências pessoais na guerra civil que foi o prelúdio da batalha final contra o fascismo na década de 1940. O livro só pode ser considerado ficção do ponto de vista técnico. No mais, relata fatos. Orwell alistou-se como voluntário nas tropas republicanas e foi ferido no pescoço.  Orwell se definiu como membro da pequena média burguesia. Em outras palavras, sua família deu-lhe uma educação, injetou-lhe preconceitos de classe que não correspondiam a seus meios reais de subsistência. Estudou em Eton, que é a escola da elite da Grã-Bretanha. Serviu na Polícia Real na Birmânia. Foi lá que descobriu a mentira e a espoliação em que se assentava o império britânico. Tornou-se socialista. Quando estourou a revolta fascista de Franco, ele seguiu para a Espanha a fim de defender com armas a causa republicana.
  Em Lutando na Espanha, Orwell vê a guerra do ponto de vista individual, as misérias, frustrações e horrores experimentados pelo soldado comum, não importa a nobreza da causa que esteja defendendo. Ele humaniza a guerra a fim de revelar-lhe a desumanidade. É um livro simples, modesto e direto, mas só em aparência. Não contém abstrações ideológicas sobre a condição humana. Fica no terra-a-terra de uma experiência individual diante do perigo concreto da morte, que não toma partido ideológico. Tanto melhor. Quando a guerra civil for apenas uma nota ao pé de página na História, a evocação de Orwell será reconhecida pelos nossos pósteros como a memória viva daqueles que pereceram lutando pela justiça e pela liberdade, transcendendo o meramente político e o meramente propagandístico.

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